Esses dias estive conversando com Júlia e Thomaz sobre a situação da crítica literária. Não é incomum que algum evento ou acontecimento da cena literária nos deixe totalmente febris, entupindo o nosso grupo de whatsapp com mensagens, audios, links etc. No caso porém, não houve nenhuma motivação salvo o invisível acúmulo de conversas, leituras dispersas e ideias que não conseguimos não pensar. No caso uma conversa que começou a partir da oitava temporada do podcast The American Vandal e a “crise da crítica” (sobretudo nos EUA) nos levou ao problema do trabalho da crítica.
É notória a dificuldade de justificar o trabalho do crítico de objetos artísticos. Isso não se dá por qualquer impossibilidade de encontrar um sentido para a crítica. Essa operação é, fundamentalmente, o exercício de um juízo sobre um objeto que identificamos como literário (seja como for definido esse caráter literário). No que diz respeito aos objetivos desse juízo, encontramos ao longo da história uma série de respostas: refinamento da imaginação e percepção, investigação sobre as verdades (sociais ou metafísicas) presentes na obra, extração de lições morais e assim por diante. Ainda que nenhuma dessas respostas possa aspirar a um consenso no campo, elas ainda assim se apresentam como potenciais justificativas para a função do crítico.
Mas a pergunta que nós fizemos não diz respeito ao sentido ou ao fundamento da crítica, mas ao trabalho da crítica. Ou seja, o que dizer sobre o crítico profissional, sobre aquela pessoa que vende a sua capacidade de realizar crítica em troca de um salário ou de um pagamento. Num mundo organizado a partir da venda da força de trabalho, e onde essas forças de trabalhos tendem a assumir graus cada vez mais especializados, como justificar socialmente a existência de uma pessoa que é dedicada a criticar obras de arte? A produzir textos (ou discursos, para ser mais aberto à variedade atual) que comentam outros textos. A que tipo de necessidade essa profissão responde?
Essa pergunta é bastante antiga e, como não é de surpreender, já aparece na República do Platão. Lá vemos a ideia de divisão de trabalho sendo proposta como uma forma de aproveitar as diferentes capacidades e habilidades dos cidadãos. Não faria sentido, defende Sócrates no diálogo, que alguém que tenha habilidades em fazer sapatos, gaste seu tempo arando o campo, quando tem alguém sem habilidades em fazer sapatos mas que é conhecedor do funcionamento da terra. As pessoas disporiam suas capacidades produtivas não conforme a necessidade de uma autossuficiência atômica, mas de acordo com um possível arranjo social que pode ser o melhor para cada um. Como sabemos, essa divisão de trabalho não é apenas uma ideia platônica: ela é atualmente uma das formas pelas quais a síntese social se opera nas sociedades capitalistas. Se a crítica é uma atividade, com suas regras, suas demandas singulares, sua estrutura, ela implica também um certo saber, um conhecimento que o especialista conseguirá dar conta melhor do que outras pessoas. Nesse contexto podemos repetir a pergunta que fizemos acima: que tipo de necessidade responde o crítico?
Em primeiro lugar poderia-se dizer que o crítico tem como objetivo disseminar o objeto artístico. Nesse caso, sua função seria dupla: de um lado ele seria responsável pela preservação desse objeto: por meio de edições, traduções, comentários que corrigem eventuais erros na transmisão. Por outro lado ele seria responsável por transmitir esse objeto: por meio de aulas, discussões textos de apresentações contextuais e/ou explicativos que ajudem um iniciado a compreendê-lo). Tudo isso pode ser entendido como uma função legítima de um trabalho desde que uma sociedade entenda que objetos literários tem valor (seja pelo prazer que geram, seja pela memória que preservam). E se olhamos para o nosso mundo, vemos que de fato esses profissionais existem: são geralmente professores universitários que dividem seu tempo entre essas duas operações. Eles fazem operações textuais (de preservação, edição, etc — que podemos entender de maneira ampla como filológicas) e pedagógicas (dão aulas, para seus alunos, para públicos maiores, fazem participações na mídia etc). Apesar de entender que se trata de uma atividade real e relativamente justificada (desde que, como falei, esses objetos sejam apreciados já por uma determinada cultura), não consigo compreender que o que há em jogo aqui é exatamente a crítica. Me parecem antes professores ou filólogos, funções que podem se aproximar da crítica mas que não necessariamente se confundem com ela.
A crítica, ainda que compartilhe alguns elementos com a docência e com a filologia, não parece ser redutível a nenhuma dessas duas atividades. Como dito acima, o crítico de um objeto artístico (no caso aqui o literário) é alguém que diz algo sobre uma terceira coisa. Ou seja, trata-se de uma operação que pode ser introdutória, mas que muitas vezes acaba sendo exploratória. Pode-se acabar discutindo e esclarecendo certos contextos, mas também é possível que que essas discussões acabem mais complexificando a situação (o que dificulta, em termos pedagógicos, sua transmissão), ao apontar problemas, ao apontar incompatibilidades entre diferentes leituras.
Também não podemos dizer que a função do crítico é preservar (como o filólogo), já que há inúmeros casos em que a própria operação crítica se autonomiza do objeto criticado de modo que se torna irrelevante se aquele que lê a crítica vai também precisar confrontá-la com o objeto (quantas pessoas leram Raymond Roussel e quantas leram o livro de Foucault sobre ele? Quantas pessoas leram A alma e as formas mas jamais ouviram falar dos poetas mencionados por Luckács?). Neste caso então o objeto é uma ocasião para que um juízo se estabeleça. Isso é certamente bastante interessante, e muitas vezes, como vi Ryan Ruby comentar numa das entrevistas do “The American Vandal”, ler um texto de crítica é uma oportunidade para se ter prazer com um espírito e uma inteligência se debruçando sobre um objeto complexo.
Apartir do que foi dito acima, talvez fosse possível dizer que a ação do crítico é um exercício da inteligência. Ainda que isso pareça fazer sentido, me parece que alguns problemas aparecem aí. Primeiro no que diz respeito à “profissionalização”. A dinâmica da profissionalização das atividades está conectada à sua especialização, à capacidade de diferenciar entre formas mais ou menos legítimas do exercício de uma atividade. Se isso for o caso esbarramos em um problema. Primeiramente pois parece estranho dizer que é possível se especializar no exercício da “inteligência do espírito”. Me parece tão equivocado quanto conceber a filosofia como uma profissão (afinal, o que seria o “especialista no pensamento” quando qualquer pessoa pensa?) Se a crítica é uma operação de análise (mas também de síntese) sobre um objeto literário, me parece que por mais que possam haver inúmeros métodos, técnicas e procedimentos, nenhum deles pode se consolidar como a forma correta de analisar. A história da crítica mostra não apenas a variedade de métodos e formas de leitura, como também os inúmeros objetivos e metas que podem surgir. Se não há um modo correto de fazer crítica, um modo correto de ler um texto , não é possível entender direito o que seria uma especialização nessa atividade. Quando pensamos, por exemplo, na medicina, na cirurgia, podemos ver que lá também haverão várias técnicas, várias formas de se lidar com o corpo. Apesar disso, porém, o problema a ser tratado tem sua medida estabelecida pelo próprio corpo (pelo que ele é, pelo que ele pode ser) e não pela atividade do médico. No caso da crítica a coisa parece caminhar em outra direção. Não dá pra dizer que o objeto literário fornece a medida de como ele deve ser tratado. Certamente ele fornece alguns limites: afinal, não se dá para discutir o problema das crises econômicas de subconsumo a partir da Ilíada — mas não podemos dizer que esse épico diz a maneira como ele deve ser lido, que ele nos dá a medida das leituras possíveis. Esta medida me parece que vem muito mais dessa inteligência do espírito que se utiliza do objeto literário como ocasião para ser exercida.
Também podemos diferenciar aqui a atividade crítica da atividade criativa que inspira a crítica. Se olhamos pras teorias sobre produção da arte, é inevitável que apesar dos diferentes conceitos, nós esbarramos em uma imagem da arte como uma espécie de dom1 da natureza, de algum deus, ou da própria subjetividade humana que se exprime. Nesse caso então se trata de uma atividade que será feita independente de qualquer retorno. Ela será feita muitas vezes independente de qualquer tipo de recepção. A crítica, porém, ocupa uma posição diferente. Em primeiro lugar trata-se de uma atividade parasitária. Ela só pode existir a partir da existência do objeto que ela comenta (mesmo que ela se autonomize dele, ela necessita do objeto como ocasião para se autonomizar). Além disso, como Thomaz me lembrou, essa crítica ela vai estar sempre envolvida na discussão sobre valor das obras. Mesmo que uma crítica não seja valorativa, a simples escolha de certos objetos para uma consideração mais atenta é sinal de que há certos objetos na sociedade que se prestam a isso, que possuem um valor diferenciado. O que é esse valor, como ele aparece, qual sua relação com o mercado é um objeto de uma investigação mais ampliada. Mas o que podemos dizer (ou o que o Thomaz me disse e que tendo a concordar) é que isso vai estabelecer uma relação imediata entre a crítica e as formas de valorização que existem na sociedade no qual essa crítica se exerce. O que significa que numa sociedade capitalista burguesa, a crítica terá uma relação inevitável com o mundo do trabalho, com a maneira como valor é produzido nessa sociedade por meio do trabalho. Isso se vê quando se observa o papel das tradicionais resenhas valorativas, que muitas vezes tem como função estimular que outras pessoas também leiam (vulgo: comprem) certos livros, mas também quando se olha para o trabalho de críticos que buscam explorar as nuances de certas obras. Expôr as complexidades de uma certa obra tem como efeito demonstrar que talvez haja algo ali de mais valioso que talvez não seja imediatamente visível. De maneira bem simplificadora, podemos dizer que isso se traduz num bom negócio para o leitor: já que comprar um livro que é capaz de te ensinar a ver o mundo de outra forma parece indicar que esse livro vale mais que seu preço.
Apesar disso, quando olhamos para a maneira como a crítica opera profissionalmente, vemos que essa função tem uma existência no mínimo precária. Algo importante notar aqui, mas que demandaria um recuo histórico que nem pretendo nem sou capaz, diz respeito ao fato de que a crítica é uma atividade que frequentemente se exercita de maneira amadora. A profissionalização depende em parte da existência de um mercado. Se já é difícil alguém sobreviver sendo artista, sabemos que fazendo crítica é algo ainda mais raro. Na maior parte das vezes a sobrevivência profissional do crítico (ou seja, a sua capacidade de reproduzir sua vida realizando a atividade da crítica) depende de sua inserção no mercado universitário. Como defende John Guillory, um dos principais diagnosticadores dessa crise, em seu recente Professing criticism, podemos dizer que há uma dupla crise. A primeira diz respeito a uma crise interna, que aponta para a incapacidade ou dificuldade da crítica literária ser capaz de estabelecer de maneira clara e consensual no campo a sua função2. Essa incapacidade acabaria gerando problemas maiores quando nos damos conta que ela é contemporânea a uma crise no mercado de trabalho. A incapacidade de explicar as funções da atividade crítica termina por dificultar que o mercado se estabeleça, que essa “mercadoria” que é a crítica acabe se consolidando como um bem de valor.
Essa análise, porém (e comento sem ter lido ainda o livro de Guillory, mas apenas visto entrevistas e lido resenhas e conversado com amigos que leram) me parece confundir o estado atual da crítica com a sua possibilidade transhistórica. É certamente visível que a principal forma de alguém conseguir trabalhar como crítico está ligado à sua inserção na universidade. Ou seja, na ausência de uma justificativa profissional da própria crítica que permitiria ela constituir um mercado dinâmico, com bens desejados que fossem cobiçados, vemos a crítica se subordinar às justificativas próprias da universidade (daí a conflação que vemos também do crítico com professores e filólogos). Quando a universidade enquanto um espaço profissional passa a entrar em crise (não apenas nos Estados Unidos, com a proliferação de adjuncts (professores provisórios e com pagamentos baixos, mas também na Europa e mesmo no Brasil), a crítica perde um pouco do suporte que permitira esse campo persistir (ainda que com as adaptações impostas pela universidade). Falamos acima que a existência do professor e do filólogo depende de uma sociedade que enxerga que há valor em certos produtos (obras de arte) que devem ser disseminadas. Assim, durante um tempo a crítica pôde continuar ao se apoiar nesse valor. O crítico é capaz de existir (e de exercer sua atividade, mesmo que divindo o tempo com outras atividades [ou fundindo essas atividades]) por existir um espaço profissional que valoriza já as obras de arte e que, portanto, torna legítimo certos trabalhos ligados a ela. Os cortes de gastos nas universidades (e mais especificamente nos departamentos que lidam com esse tipo de objeto) evidenciam uma mudança naquilo que é valorizado numa sociedade. No caso de uma sociedade capitalista burguesa, isso se traduz em uma crise de trabalho, em poucos empregos, em menos oportunidades para viver da crítica (mesmo que, como repetimos, esse viver da crítica implique em compromissos com o mercado). Talvez seja possível dize aqui, parafraseando o mote benjamininano de que “nunca há um documento da cultura que não seja, ao mesmo tempo, um documento da barbárie” que numa sociedade capitalista burguesa como a que vivemos, “toda crise da crítica é uma crise do trabalho”. Aqui, porém, invertemos um pouco a posição de Guillory (apesar de manter a associação). Não é a falta de justificativa ou consenso do campo que dificulta a formação de um mercado (e a presença de investimentos), mas sim há uma ausência de recursos (ou de disponibilidade para gastar com certos objetos) que torna visível a inexistência de um consenso último para a crítica. O que me pergunto é se a disponibilidade prévia de recursos (nunca suficiente, mas certamente o suficiente para gerar departamentos inteiros de literatura ao redor do mundo) tornou essa pergunta irrelevante: e de fato, se a crítica for o exercício da inteligência como defendemos, de fato não há porque ela ter uma forma correta que possa recobrir todo o campo.
Essa crise do trabalho, devemos lembrar, também permite ver que se aquele que vive de crítica costuma estar na universidade, também é perfeitamente possível ser crítico sem estar na universidade. A diferença é que dificilmente essa pessoa vai viver do dinheiro que recebe fazendo crítica (na maior parte das vezes vai ser uma pessoa que trabalha em editora, que faz algum tipo de frila em tradução, revisão etc). Assim, seja publicando em espaços tradicionais ou no próprio blog, pode-se dizer que quando o sustento da pessoa não vem dessa atividade, trata-se de um trabalho amador. O que é curioso é que apesar do amadorismo a crítica persiste, ela não deixa de existir — a ponto de podermos dizer com tranquilidade que devido às condições atuais de alfabetização, de disseminação mínima de certas técnicas e hábitos de leitura e da multiplicação dos meios de comunicação, nunca houve tanta crítica como há hoje em dia. Assim, trata-se de uma atividade que as pessoas farão à despeito dela ser capaz de auxiliar na reprodução da vida humana.
É curioso, e esse parece ser um dos argumentos de Ruby, que em certa medida, pela expansão do amadorismo, nós não vivemos uma “crise da crítica”, mas uma “era dourada”. Eu não acho a coincidência desses diagnósticos um acaso. Eu fico com a impressão de que essa coincidência revela algo sobre a própria humanidade, sobre uma espécie de utopia inerente à humanidade. Se olhamos para o nosso contexto atual, no capitalismo moderno a persistência e expansão dessa atividade mesmo diante e um colapso de um sistema profissional (aquela dos críticos universitários) me parece implicar numa posição utópica. Sinto que a continuidade da crítica (e das comunidades de crítica) são um índice de que essa atividade de que as pessoas aspiram à mais do que a sociedade lhes permite. Pois de fato só é possível realizar essa atividade quando nos permitimos encontrar justificativas para nossas ações que não são plenamente compreensíveis no mundo que vivemos.
Se a crítica não é uma atividade vista como produtiva (se ela não tem justificativa econômica), me parece que sua justificativa só pode vir de outro lugar, dado que ela implica uma quantidade enorme de tempo gasto com um esforço que não se qualifica como trabalho produtivo (ou seja, que não podemos vender esse esforço em troca de dinheiro que nos permita viver). Ainda que isso não seja consciente (e talvez possa ser uma forçação minha) me pergunto se a atividade crítica (e sua insistência nesse mundo) não aponta para um horizonte de um mundo em que podemos sim ter tempo para simplesmente analisar e compreender determinados objetos que são dignos de atenção não por qualquer problema ou questão relacionada à sobrevivência (ou à reprodução da sociedade), mas simplesmente por características e propriedades desse objeto singular mesmo que chamam nossa atenção.
Fico me perguntando se isso não seria possível apenas em um mundo em que não precisamos vender nosso tempo e força de trabalho para sobrevivermos — ou seja, em um mundo que não é organizado a partir da troca de mercadorias entre produtores especializados. Seria então um mundo social em que conseguimos encontrar outros critérios (mais justos?) para organizar a sociedade. Neste caso, talvez possamos forçar um pouco mais a barra na hora de ler uma frase clássica de Marx:
o indivíduo é caçador, pescador, pastor ou crítico crítico, e assim deve permanecer se não quiser perder seu meio de vida - ao passo que, na sociedade comunista, onde cada um não tem um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os ramos que lhe agradam, a sociedade regula a produção geral e me confere, assim, a possibilidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo, de caçar pela manhã, pescar à tarde, à noite dedicar-me à criação de gado, criticar após o jantar, exatamente de acordo com a minha vontade, sem que eu jamais me torne caçador, pescador, pastor ou crítico.’
Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã
Sempre me impressionou a presença da crítica entre as atividades destacadas por Marx nesse trecho. O que me permito pensar nesse momento é que a crítica está aí presente justamente por não ser uma atividade que é regida por qualquer princípio econômico, ou qualquer tipo de constrangimento social. Que entendê-la a partir desses critérios é ignorar que a dificuldade de encontrar um consenso profissional para ela não é um acaso. Que seu exercício insistente e disperso é simplesmente uma expressão da livre atenção da inteligência humana sobre qualquer coisa3. Algo que talvez só seja possível existir de maneira plena quando houver a justiça em nosso mundo, ou seja, quando realizarmos o comunismo.4
Agradeço ao Thomaz por essa formulação.
O problema, ao meu ver, não é ser incapaz de pensar funções, mas não conseguir delimitar uma função consensual que se justifique perante a sociedade (e perante os investidores) determina o campo como um todo.
O que não significa, é preciso afirmar veementemente, que ser crítico é ser comunista — a ação comunista depende de operações no campo da política, ou seja, da organização coletiva. Sem entrar no mérito de análises comunistas/marxistas bastante férteis, a operação crítica não traz o comunismo, ela é apenas um índice de que há outros critérios que podem conduzir nossas vidas (que entendemos aqui por serem comunistas na medida em que não são determinados por quaisquer critérios que constrangem nosso mundo atualmente e produzem inúmeras formas de dominação pessoal).
Após escrever esse texto Thomaz me mostrou uma passagem de Guillory no Cultural Capital que converge em parte com o que tentei escrever aqui: “In a culture of such universal access, canonical works could not be experienced as they so often are, as lifeless monuments, or as proofs of class distinction. Insofar as the debate on the canon has tended to discredit aesthetic judgment, or to express a certain embarrassment with its metaphysical pretensions and its political biases, it has quite missed the point. The point is not to make judgment disappear but to reform the conditions of its practice. If there is no way out of the game of culture, then, even when cultural capital is the only kind of capital, there may be another kind of game, with less dire consequences for the losers, an aesthetic game. Socializing the means of production and consumption would be the condition of an aestheticism unbound, not its overcoming. But of course, this is only a thought experiment.” (Guillory, Cultural Capital)
Dá vontade de anotar esse texto, grifar, enviar pra amigo. Experiência muito comum lendo textos da faculdade, ou quando damos sorte de topar com alguém interessante na rede social. Vim parar aqui pelo Twitter e já perdi a postagem original, faz parte. Queria dar RT e recomendar (mesmo meu perfil sendo minúsculo), mas é melhor fazer um comentário, expor novidades e sentimentos. Fiquei muito feliz com o processo de questionamento acerca da natureza do fazer crítico, pensei, no começo, que seria uma daquelas leituras sólidas, tristonhas e por isso consideradas frutíferas. Tive professores que opinavam o seguinte: texto bom é texto que bate, puxa pra realidade horrível da materialidade pós-moderna. Eu até concordo, mas às vezes alguém precisa fazer o exercício do otimismo, o exercício de chamar uma "crise" de "era dourada".
"Ainda que isso não seja consciente (e talvez possa ser uma forçação minha) me pergunto se a atividade crítica (e sua insistência nesse mundo) não aponta para um horizonte de um mundo em que podemos sim ter tempo para simplesmente analisar e compreender determinados objetos que são dignos de atenção não por qualquer problema ou questão relacionada à sobrevivência (ou à reprodução da sociedade), mas simplesmente por características e propriedades desse objeto singular mesmo que chamam nossa atenção."
Vejo nesse parágrafo um motivo validador (e portanto valorizador) pra que continuemos lendo, escrevendo, gerando pensamento e crítica. A maioria de nós ou acabará como um vovô esquisito muito leitor, ou presos na torre de marfim acadêmica, onde o trabalho assalariado se mistura com o intuito pessoal não-reificado. Não seremos mais pessoas, membros da sociedade — em algum momento já fomos? —, mas críticos. Porém, ao entender a razão de ser dessa crítica como pura fruição de um objeto singular (aqui, artefato artístico), passa a valer mais a pena prosseguir nessa forma de viver e experimentar.
Agradeço pelo esforço de escrita! Aliás, como o texto saiu faz pouco tempo, reparei alguns erros tipográficos. Chatices. Seria bom depois dar uma olhada, até porque esses insetinhos só aparecem depois que apertamos o botão "postar". Parece até karma!